CONTRA O LATROGENOCÍDIO DO POVO LÍBIO


CONTRA O LATROGENOCÍDIO DO POVO LÍBIO



Mantemos a recomendação do vídeo de Jean-Luc Godard, com sua reflexão sobre a cultura européia-ocidental, enquanto a agressão injusta à Nação Líbia perdurar.




Como contraponto à defesa de civis pelos americanos, alardeada em quase todas as recentes guerras de agressão que promovem, recomendamos o vídeo abaixo, obtido pelo Wikileaks e descriptografado pela Agência Reuters

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Em sociedade tudo se sabe, até os bastidores da Lei de Anistia..., por Hildegard Angel

Queiram ou não, o Brasil cumprirá seu destino de ser uma Nação na melhor acepção do termo. Se não for por decreto de Lula, por lei do Congresso, poderá ser através do Supremo Tribunal Federal, no qual o Conselho Federal da OAB ajuizou ação, no ano passado, assinada por Cesar Brito e Fabio Konder Comparato. A ação da OAB, que tem o ministro Eros Grau como relator, propõe que o STF dê uma interpretação da Lei de Anistia de que não há anistia para torturadores.Verdade é que o Supremo está dividido nessa matéria. Mas será bem melhor que a solução venha por ele e não pelo Congresso, o que abriria espaço para as viúvas da ditadura e outros protagonistas do negro passado ocuparem a tribuna e a imprensa para dar interpretações que favoreçam as próprias biografias e não o rumo histórico deste país.

A tortura é um crime de lesa humanidade que não prescreve. Para nosso vexame, corre até um processo contra o Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, para que não haja prescrição para quem trucidou na guerrilha do Araguaia.

A Comissão de Verdade e Justiça defendida pelo ministro Paulo Vannuchi é um processo de redenção definitiva. Ela honra as famílias vitimadas, preserva a honra nacional, é digna e importante. Na África do Sul houve Comissão da Verdade com o bispo Desmond Tutu. Na Argentina ela foi presidida pelo escritor Ernesto Sábato. O Brasil não fez isso antes, errou em não fazê-lo. Nossa Constituinte que passou a limpo tanta coisa, não o fez.

Embora muitos queiram colocar um véu escuro sobre ela, a tortura no Brasil foi uma coisa terrível. Em 1979, quando a Lei de Anistia foi sancionada, havia 53 presos políticos em presídios de todo o país. A quase total maioria estava em greve de fome já por 33 dias. Preferiam morrer à míngua do que continuar vítimas de tanto sofrimento. Conjuntamente, eles redigiram uma carta listando 251 militares e carcereiros envolvidos em torturas, “dos quais 80 nos torturaram diretamente”.

Eles também denunciavam em sua carta: "Há 27 centros de torturas espalhados pelo país". Vinte e sete centros de torturas! Sem falar nos off-Broadway da tortura, como a famosa casa de Petrópolis etc. Que vergonha, que vergonha para todos nós, meu Deus! E agora vemos políticos e jornalistas — avestruzes — insistindo em enfiar a cabeça na areia, ignorando o fato histórico, virando as costas para os compatriotas nossos que sofreram tamanhas maldades.

Se vocês tiverem paciência para escutar, vou contar os bastidores que engendraram essa Lei de Anistia, que veio num processo de desarticulação do bipartidarismo brasileiro. Não estou falando novidade. O historiador brasileiro José Honório Rodrigues, imortal da Academia Portuguesa de História, colocou isso em inúmeros textos. Em 1965, o golpe editou o AI-2, extinguindo todos os partidos políticos. A decisão foi tão radical que o nome "partido" era considerado subversivo e não podia ser usado. Aí surgiram Arena que não era partido, era "aliança"; e MDB que não era partido, era "movimento". O governo militar achava que, com o bipartidarismo, iria se eternizar no poder.

Mas as eleições de Marcos Freire e de tantos outros democratas em 1974, quando houve a grande derrota do governo e a Arena sofreu uma lavada geral, fizeram os militares verem que o bipartidarismo era um desserviço a eles. E o que decidiram os pensadores do governo, SNI, Golbery e outros? "Vamos acabar com o bipartidarismo e abrir geral para desarticular a sociedade civil brasileira". Achavam que também com a anistia, Ulysses, Prestes e Brizola nunca estariam juntos, que cada um criaria um partido, seria uma geleia geral e os conservadores continuariam a mandar no país. Então veio o pluripartidarismo e foi aquela onda de "marronzinhos" e "enéas" aparecendo no horário gratuito, distribuídos em mais de 50 siglas. Com isso, os estrategistas de plantão conseguiram dar uma sobrevida ao regime.

A própria agenda da Abertura girava em torno de receios da volta dos anistiados. Havia rumores de manobras de Ulysses Guimarães para que, quando voltassem os anistiados, eles se unissem e controlassem a ação política brasileira. Com o pluripartidarismo, a ideia era fracionar o MDB. Assim foi pensada a Lei de Anistia, pelos donos do reacionarismo: "acabando o bipartidarismo, eles vão ralar, se fragmentar e a sociedade brasileira vai ficar perdida por alguns anos". Dessa forma, eles poderiam sair a salvo com tudo isso, e o regime militar não teria derrota. E deu certo para eles. Vieram Brizola com o PDT, Lula com o PT, Ulysses e Waldir Pires com o PMDB, e o PDS (de cujo racha saiu o PFL) como sucessor da Arena. O que não foi a eleição do Collor se não um êxito provado desse projeto dos militares? A eleição de Lula é que foi a ruptura histórica.

Como testemunha desses fatos, cito o próprio ministro deles, Jarbas Passarinho que considerou: a inteligência estava em saber claramente ser muito pouco provável que Prestes e Brizola se unissem. Disse também que a partir do momento em que os "rios" estivessem independentes, a Arena estaria maior. Assim foi urdida uma anistia consentida, controlada, diferente das verdadeiras com as da África do Sul, Chile, Argentina. Nossa anistia foi um processo de conciliação das elites. Para explicá-la nada melhor do que o pensamento de Lampedusa: "É preciso que tudo mude para que tudo continue como está".

O processo da Lei de Anistia tinha nove volumes, era um calhamaço daqueles, e foi discutido à exaustão no Congresso Nacional. E a questão dos torturadores não ficou à margem. Os debates no Congresso registraram vários discursos, dos deputados Airton Soares, Walter Silva e outros que colocaram claramente e com firmeza, que não deveria ser dada à lei uma interpretação que absolvesse os torturadores.

Como o Congresso era dominado pelo regime militar fez-se uma redação ampla, genérica da Lei de Anistia. Foi uma esperteza deles para, nas entrelinhas, conseguir perdoar quem cometeu torturas bárbaras. Com isso, eles ficariam bem na fita, na visão da História, jogando o assunto debaixo do tapete.

Este foi o processo histórico da anistia. Agora, o Brasil já se redemocratizou. E, ao contrário daqueles que dizem que “a Nação está pacificada e isso (discutir a anistia) vai criar problemas”, o problema existe sim, latente na nossa história. As famílias dos torturados e assassinados estão vivas. E a sociedade brasileira crítica também está viva. Deixo aqui, para nossa reflexão, o ensinamento de Hélio Pellegrino, das páginas de seu livro A burrice do demônio: "Olhar nos olhos da tragédia é dominá-la". Não podemos deixar de olhar nos olhos da tragédia brasileira para virar de uma vez por todas essa página infeliz da vida do nosso país.

- extraído da coluna "Reportagens Especiais", do Blog do Zé Dirceu, ( http://www.zedirceu.com.br/index.php?option=com_content&task=blogsection&id=5&Itemid=61), onde republicado em 21-Jan-2010, após publicação original no JB em 15/01/10,

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